A relação entre o dar e o receber é assinalada muitas vezes como óbvia, apesar de estes dois verbos indicarem movimentos opostos.
 
Geralmente a relação entre ambos sugere um aspecto interesseiro: para receber é necessário dar. Se fossemos generosos, poderíamos gerar um círculo de reciprocidade que acabe nos beneficiando com o que outros nos brindarão.
Outras percepções aparentemente mais altruístas diriam que no ato de dar recebemos em troca a gratidão dos que recebem o que temos lhes dado.
 
Todavia, existe uma relação mais profunda e talvez menos evidente no mero ato de dar e de receber. Ao dar recebemos de volta algo a respeito de nosso valor. Se demos é porque tínhamos algo para dar e o próprio ato nos comprova algo sobre nosso valor. Além disso, seja qual for a resposta de quem recebe, ela é algo que vem a nós em troca. Queiramos ou não, percebamos ou não, tenhamos doado com essa ou outra intenção.
 
O ato de receber se configura também como uma doação da reação do receptor para com o doador seja ela manifestada consciente ou não. Mas não só isso. Antes ainda o receptor se outorga a si próprio o que lhe é dado. Ninguém pode receber nada que não aceite, que não assimile, que não acolha ou incorpore. Receber é uma ação que requer decisão e pró-atividade, além de vontade. Ninguém recebe algo a não ser que se outorgue o que lhe é concedido.
 
Assim, o ato de dar como o ato de receber, implica um aspecto altruísta de reconhecer o outro nas suas forças e fraquezas, no que tem e no que precisa, e a nós mesmos também.
 
Na parashá da semana, o agricultor exemplifica essa dupla mão de dar e receber, pois ao colher os primeiros frutos da terra, os leva ao sacerdote, os oferece para o bem comum e declara que trabalhou a terra com seus esforços, ou seja, deu sua parte, recebeu dela os frutos, agradeceu e entregou o recebido num ato que, ao mesmo tempo, lhe permitia receber o que os outros agricultores trouxeram também.
 
Uma velha e bela prática da época bíblica ainda relevante para ensinar humildade, amor próprio, responsabilidade, solidariedade e gratidão, numa era aturdida pelo consumo egocentrista.
 
Que saibamos valorizar o próprio, o dos outros, e ver em tudo uma oportunidade de ticun (aprimoramento).

 

Shabat Shalom.
Rabino Ruben Sternschein